A SÉRIE CLÁSSICA ORIGINAL DE LARS VON TRIER, RESTAURADA E REMASTERIZADA

Coisas estranhas estão acontecendo nas profundezas de um hospital dinamarquês. O espírito angustiado de uma menininha pode ser ouvido chorando no poço dos elevadores, enquanto uma ambulância fantasma percorre as ruas de Copenhague todas as noites. Sociedades secretas se reúnem no porão, enquanto os funcionários se reúnem nas alas desinteressantes, tão absortos em seus próprios desgostos insignificantes que permanecem alheios ao despertar demoníaco que se prepara para abalar o edifício.

The Kingdom I inaugura o magnum opus de Lars von Trier, um fenômeno da TV cult com três décadas de produção. Descrita pelo diretor como “uma história de fantasmas apimentada com alguns elementos que fazem lembrar novelas”, a série é a resposta da Dinamarca a Twin Peaks: um mistério sobrenatural compulsivamente divertido, repleto de melodrama potente e com um elenco recorrente de excêntricos cativantes.

Quando os quatro episódios que compõem The Kingdom I foram ao ar na televisão dinamarquesa em 1994, von Trier já tinha uma reputação no seu país natal devido à sua trilogia “Europa” (1984-1991), cujo último filme lhe rendeu o Prêmio do Júri em Cannes. Mas foi The Kingdom que tornou seu nome conhecido, sobretudo devido às suas despedidas maliciosamente enigmáticas durante os créditos de cada fascículo. O cineasta que logo se tornaria sinônimo de provocação artística mostrou pouco interesse em moderar suas idiossincrasias criativas para a demografia mais ampla de um público de televisão, rompendo com o formalismo refinado de seus longas anteriores para criar um estilo portátil que anteveria títulos como The Office e o manifesto Dogma 95 do próprio von Trier. “Fizemos de tudo para que parecesse terrível”, disse ele, levianamente, da cinematografia cor de ferrugem em 16mm de The Kingdom, agora maravilhosamente restaurada em versões nunca antes vistas de cada episódio.

Uma mistura incomparável de comédia no local de trabalho e história de fantasmas de tirar o fôlego, The Kingdom I mostra a ciência contra a superstição em conflitos profanos. A batalha final pode ser travada entre as forças das trevas e da luz, mas von Trier mantém ambíguos os limites entre ambas, prendendo cada personagem nas areias movediças de sua própria vaidade. Como a maioria das obras de von Trier, trata-se de uma série de dualidades fascinantes, resumidas pelo diretor em sua despedida em cada um dos episódios: “Estejam prontos para enfrentar o bem e o mal”.